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OSWALDO CRUZ

OSWALDO CRUZ E A ATUALIDADE
DE SUAS AÇÕES

Conferência proferida pelo Presidente Waldenir de Bragança durante a Semana de Oswaldo Cruz, em São Luiz do Paraitinga / SP – 1 a 5 de agosto de 2003

        Vamos celebrar este ano, de forma especial, o Dia Nacional da Saúde nesta Cidade Histórica de São Luís do Paraitinga, onde nasceu o Patrono da Sociedade Brasileira de Higiene e Saúde Pública, que comemorou 90 anos de existência sempre homenageando, como agora, o grande Líder da Saúde no Brasil, dando honras e testemunho da vida e da obra de Oswaldo Cruz.

        Brindamos os mais de 110 anos do início de sua gloriosa atuação, quando, em 1903, assumiu o comando da Saúde Pública do nosso País. Ressaltemos, neste 5 de agosto, Dia de Oswaldo Cruz, a atualidade de suas ações – da sua presença e da necessidade de serem buscados o espírito, a mensagem, a filosofia, a metodologia, a credibilidade científica, a vontade política, a coragem, a confiança, a firmeza de Oswaldo Cruz; a liderança que inspira a nação, que vence barreiras, abre caminhos, conduz ao Destino.

       Várias frentes abriu o médico sanitarista Oswaldo Cruz, sem esmorecer; ao contrário, os obstáculos aumentavam suas energias. Agigantava-se. Assim foi desde a fase de doutorado, com a tese A Veiculação Microbiana pela Água! Médico aos 20 anos!

       Desejando saber mais, frequentou em Paris o Instituto Pasteur, o Laboratório de Toxicologia da VIBERT e OGIER. Vai, em 1899, a Santos, enfrentar o problema da Peste; é convidado para o Magistério Médico, em Clínica Propedêutica. Vocacionado para o Sanitarismo, em 1890 funda o Instituto Soroterápico, na Fazenda de Manguinhos, no Rio; começa a experimentação em Patologia. Em 1903, aos 30 anos, assume a Direção Geral de Saúde Pública – correspondente, hoje, ao Ministério da Saúde, que só surgiu há 50 anos (1953).

        Toma rápidas providências contra a febre amarela e a peste, terríveis epidemias. Apresenta, cinco dias após a posse, o plano de atividades imediatas a desenvolver. Integra as ações federais às municipais, conjuga recursos com um comando único. Dois meses depois, envia ao Congresso Nacional o plano de Reforma da Saúde Pública. Consegue sua aprovação em dezembro daquele ano (1903).

        Em 1904 desencadeia a Campanha Contra a Febre Amarela, que isolava e humilhava o Brasil – os navios não paravam aqui, seguiam para Montevidéu e Buenos Aires!

       A Febre Amarela! A luta contra os transmissores Stegomia e Aedes Aegypti (que retornou com a epidemia do Dengue); A Peste Bubônica! Nas cidades, nos portos. A Varíola! Matando centenas, milhares de pessoas, causando pânico! – Os três dragões devoradores da vida foram enfrentados para serem exterminados. Em prazo de 3 anos!

       É extremamente difícil sintetizar o universo da existência pioneira, criadora, benemérita e ainda presente de Oswaldo Cruz, cujo lema é sempre atual: “Não esmorecer para não desmerecer”.

       Quando voltam doenças em caráter epidêmico, até então consideradas erradicadas ou sob controle, quando as diretrizes se confundem em conflitos de competência, na criação e substituição de órgãos, no vazio que se amplia, frustrando as ações de Saúde Pública com evidente desaparecimento de normas de higiene (não mais se fala no ensino, não se pensa e não se age em termos de Higiene), como se fosse coisa do passado; quando se verifica o assistencialismo insuficiente no SUS que se busca, com predominância, e o desprezo pela prevenção de doenças e acidentes, é sentido e reclamado pela consciência nacional o retorno do exemplo de Oswaldo Cruz. A sua estratégia metódica, forte e esclarecedora dos caminhos a percorrer, que muito há de significar para o encontro de um novo tempo.

       Soube vencer obstáculos políticos, jurídicos e na imprensa. Sofreu bloqueios. Teve a coragem para enfrentar os desafios. Inicia o combate à peste e à varíola; surge a sedição da Escola Militar; a não execução da Lei da Vacinação Obrigatória. Ocorrendo a volta da epidemia, com as críticas cruéis da Imprensa e no Congresso Nacional; o expurgo nas residências é impedido pela inviolabilidade do lar.

       Estabelece o Plano de Luta Contra a Tuberculose; procede à Organização Sanitária dos Portos do Norte e do Sul; leva à Amazônia as suas ações, com o combate à Malária, na Estrada de Ferro Madeira-Mármore, e a Campanha Contra a Febre Amarela – com êxito profilático em Belém no prazo de seis meses. O Brasil conquista prêmio na Exposição Internacional, em Berlim, vencendo 123 países expositores.

        Soube viver as 4 palavras especiais para ele: PODER / QUERER / SABER / ESPERAR.

       Relembremos sua vida pública profissional, seus feitos, seus esforços – mas, há de se fazer uma reflexão sobre o ontem e o hoje.

       Chamado de idiota, de moço irresponsável. Pediu 1.200 contos, só recebeu 300 – “Dinheiro Gasto Sem Proveito”, diziam, D.G.S.P.

       Recursos técnicos limitados, primeiras experiências, escassos meios de transporte, barreiras políticas, o Congresso contrário (até o Senador Rui Barbosa). Revoltas da Escola Militar, a República ainda adolescente, obstáculos constitucionais, ameaças do Tribunal de Registro de Contas, o Supremo Tribunal concedendo habeas corpus, pressão da imprensa (“A Careta”, “Gazeta de Notícias”), caricaturas, como a Cara de Rato, desafios. A oposição, até da Faculdade de Medicina. Ameaça da ciência governamental.

        Os navios internacionais não paravam nos portos brasileiros – em 1895, no navio Lombardia, com 240 tripulantes, somente 7 não foram acometidos de febre amarela. Em 1906 a Febre Amarela deixa de ser endêmica, e os navios voltam.

        Febre Amarela – 3 anos de combate; Peste – 3 anos de combate (ratos); combate ao mosquito Stegomia Fasciata, hoje Aedes Aegypti; atestados de vacina obrigatórios para todos os atos da vida. A barreira do direito sagrado da liberdade individual.

      Nove décadas depois, estamos enfrentando a volta do Aedes Aegypti e a Dengue, Cólera, Febre Amarela. E hoje, a constituição não coloca obstáculos, facilita; não há barreiras políticas; há recursos técnicos e científicos, meios de comunicação, universidades, evolução tecnológica. Por quê? Por quê o retorno das antigas epidemias?

       Para ainda mais ressaltar a atualidade das ações e da obra de Oswaldo Cruz, expresso o depoimento do diretor-geral da Organização Mundial de Saúde, o médico sanitarista brasileiro Dr. Marcolino Gomes Candau, tão pouco conhecido e lembrado em nosso País, meu colega de magistério na Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Higiene:

       “Realmente, os ideais e realizações daquela grande figura do sanitarismo brasileiro e mundial devem ser amplamente ressaltadas, pois ilustram uma das mais brilhantes páginas da História da Medicina e da Saúde Pública no Século XX”.

       “Seu pensamento e sua ação, ainda hoje representam inestimável contribuição à filosofia, aos conceitos e às normas que devem orientar a ação de Saúde em prol das populações do mundo”.

       Cientista e pesquisador do mais alto valor, professor eminente, competente e perfeito administrador, reuniu Oswaldo Cruz aquelas qualidades que caracterizam os grandes homens.

       Ele trouxe para o Brasil o espírito e a técnica de um grande centro mundial e o consolidou na organização que tem o seu digno, glorioso e perene nome, Instituto Oswaldo Cruz.

       A vitória da persistência, acreditando no que fazia e fazendo o que acreditava – definindo, liderando, sobretudo “criando no espírito da nação a confiança em seus homens de ciência, médicos e intelectuais”, no dizer de Américo Jacobina Lacombe.

       Oswaldo Cruz significa uma transformação de mentalidade: “Não bastava o saber, era preciso dispor-se a lutar e a sacrificar-se, a ser torturado pela máquina da rotina, e especialmente, a entrar na luta sem estar disposto a conchavos”.

       É isto que dá à sua ação um significado especial – ele é o cientista que sai dos laboratórios seguro de suas pesquisas, mas disposto a enfrentar tudo, sem esmorecer, para transformar suas convicções em benefícios – para seus compatriotas.

       Aqui nasceu a 05 de agosto de 1872, nesta amada São Luís do Paraitinga, o predestinado médico que deixou as marcas para o presente e para o amanhã – Imortal na Academia Brasileira de Letras, na Academia Nacional de Medicina e nos sentimentos da Pátria. Mas, sobretudo, 44 anos viveu e não sentiu o reconhecimento popular. Deixara a Saúde Pública e em 17 de agosto de 1916 assumira a Prefeitura de Petrópolis. A insuficiência renal o abate.

      “Perto da agonia” – relata Clementino Fraga – “uma manifestação hostil estrondeia à sua porta, aos gritos e ruídos de latas, contra o Benfeitor da Cidade Serrana, que tentou moralizar a Administração Municipal. Com a algazarra, o grande doente levanta a cabeça e indaga: Que barulho é esse? Dizem-lhe que era um cordão carnavalesco que passava. O doente reprime a custo a dispneia e com um olhar que revive por instantes a chama de outrora, diz aos circunstantes: é uma manifestação”. Passagem sombria da incompreensão terminava uma vida que não temeu a vida. Não esmoreceu ante os desenganos.

       Em 11 de fevereiro de 1917, às 21 horas, fisicamente desaparece, para deixar em cada brasileiro dívidas de gratidão. No dia seguinte é sepultado no Cemitério São João Batista, envolto num lençol, como pedira.

       “Vida curta – ceifada na altura, talvez lhe tenha poupado decepções e amarguras, já ensaiadas à sua volta... talvez o tormento maior do próprio declínio”.

       “Porque herói ele foi, concorrendo para aumentar a vida média em nosso País, criando uma Escola de Ciência – benfazendo a Humanidade. Fez-se na vida sem outra ajuda que não os próprios e disciplinados estímulos” (a morte do pai ocorrera quando se formou).

        Sentiu, como Shelley, a alegria da alma em ação, e, dessa ascendência, a poesia de uma vida, aberta ao trabalho, no encalço da verdade.

        Acrescenta o Prof. Clementino Fraga – sempre companheiro, até a derradeira hora de vida – “A morte prematura, parecendo atalhar uma carreira gloriosa, não consentiu que a vida lhe desmaiasse a glória”.

        Rui Barbosa falou em nome da Nação, revelando os sentimentos da Pátria reconhecida ao grande vulto da Saúde e da Vida.

        O nosso País e todos nós temos dívidas de gratidão com Oswaldo Cruz. Seu exemplo ressaltamos como luz que não se pode apagar da memória nacional, porque sua luminosidade permite ainda agora clarear caminhos a serem percorridos em favor da vida dos brasileiros e em respeito à nossa Pátria.

       Ao falar nesta sua cidade natal, onde viveu seus primeiros anos de vida, onde conheceu a amizade e vivenciou exemplos, podemos repetir com o poeta Guerra Junqueiro: “A alma das crianças é branca como a neve. É pérola de leite em urnas virginais.

         Tudo quanto ali se grava e ali se escreve, permanece em seguida e não se apaga mais”.

      Esta amada terra lhe forneceu as fundamentais virtudes para realizar seus ideais de servir e, com ele, São Luís do Paraitinga continuará se projetando pelos séculos, enquanto existir interesse em prevenção de doenças, preservar a saúde e prolongar a vida e a eficiência física e mental dos seres humanos, pois a humanidade foi a missão de Oswaldo Cruz.

 

Waldenir de Bragança

Presidente da Sociedade Brasileira de Higiene e Saúde Pública 2002-2013

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