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Carlos Chagas

CARLOS CHAGAS: O HOMEM E A OBRA

       Biografar o eminente brasileiro, médico clínico, cientista e pesquisador Carlos Chagas, mesmo que sucintamente, reveste-se de prazer e honra.

       Dia nove de julho de 1879, na Fazenda do Bom Retiro, município de Oliveira, Estado de Minas Gerais, nascia Carlos Justiniano Ribeiro das Chagas, filho de um cafeicultor, José Justiniano das Chagas, e da Sra. Mariana Cândida Ribeiro de Castro Chagas.

       O pequeno Carlos, órfão de pai aos quatro anos, fez seu curso básico em cidades do interior mineiro (Oliveira e Ouro Preto) e nas paulistas, Itu e São Paulo – capital. Ato contínuo, dirigiu-se para o Rio de Janeiro, capital do Brasil à época, para cursar a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, hoje Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, havendo colado grau em 1902 com elaboração de tese, no Instituto Soroterápico, intitulada Estudo hematológico do Impaludismo. Encantou-se com a clínica médica influenciado pelo Professor Miguel Couto e envolveu-se também com a pesquisa básica, atraído pelo Professor Francisco Fajardo o que muito o ajudaria em seus trabalhos futuros. Curioso para os niteroienses é saber que Chagas, em 1904, recusou uma oferta de Oswaldo Cruz para ser médico do Instituto Soroterápico para vir trabalhar como clínico no Hospital de Jurujuba em Charitas.

       Naquela ocasião casou-se com Íris Lobo e o casal teve dois filhos: Evandro Chagas e Carlos Chagas Filho. Ambos viriam a ser notáveis cientistas, porém Evandro morreu precocemente, aos 35 anos, em um acidente aéreo na Amazônia. 

       Sua passagem por Niterói foi assaz produtiva, porém curta, pois ainda em 1904 foi convocado para combater um surto de malária numa represa de Itatinga – SP. Debelou a doença em cinco meses, sendo considerada a ação mais bem sucedida, no Brasil, até aquela época.

       Ao retornar ao Rio foi, pouco tempo depois, admitido no Instituto Soroterápico que passaria a se chamar Instituto Oswaldo Cruz em 1908.

       Nova missão lhe foi confiada: combater outro surto de malária na baixada fluminense (Xerém). Teve como companheiro de trabalho o Dr. Arthur Neiva e concluíram a missão com grande sucesso.

       Em junho de 1907 é convocado para dirigir-se à cidade mineira de Lassance, visando enfrentar novo surto de malária no local onde ocorriam obras da Estrada de Ferro Central do Brasil. Durante dois anos trabalhou em um vagão, atendendo consultas e pesquisando.

      Na ocasião, alertado por um fazendeiro, iniciou pesquisa sobre um inseto hematófago conhecido como “barbeiro”, pois picava a face das pessoas e habitava as frestas das casas de “pau a pique” muito comuns na área rural naquele tempo.  O inseto era o Triatoma infestans. Examinando o sangue dos saguis e fezes dos Triatomas encontrou, no sangue dos primeiros e no intestino dos segundos um protozoário que batizou como Trypanosoma minasensis. Investigando, no Rio de Janeiro, o material enviado por Carlos Chagas, Oswaldo Cruz verificou tratar-se de um novo tipo de protozoário, que o primeiro fez questão de denominá-lo Tripanosoma cruzi, em homenagem a seu chefe, mentor e amigo. Mais tarde o microrganismo foi rebatizado como Schizotripanum cruzi.

       Seguindo suas pesquisas, Chagas encontrou o protozoário no sangue de gatos e em 23/04/1909 detectou-o no sangue de uma menina de três anos, Berenice, que apresentava febre e anemia. Ato seguinte, descreveu mais de 27 casos de formas agudas e realizou autópsia em mais de cem pessoas falecidas com a forma crônica da doença, que atinge mais o coração, o esôfago e o intestino grosso.

       O trabalho resultante foi o primeiro, no mundo, a descrever a etiologia, a fisiopatologia, a anatomopatologia, o quadro clínico das formas agudas e crônicas, o vetor, os reservatórios e a epidemiologia. Só um pesquisador com alto padrão, com conhecimento de clínica, de sanitarismo, de epidemiologia, de pesquisa clínica e básica, é capaz de tal façanha. Chagas passou a fazer parte de um seleto grupo que sabe se beneficiar do acaso.

      Essa descoberta foi publicada na Revista Brasil Médico em 22/04/1909 e, no mesmo dia, Oswaldo Cruz levou-a ao conhecimento dos membros da Academia Nacional de Medicina – ANM que decidiram enviar a Lassance uma missão no sentido de validar toda a pesquisa. Confirmando a veracidade e o rigor da publicação resolveram denominar a enfermidade como “Doença de Chagas”. Entretanto, o próprio Carlos Chagas, com simplicidade e humildade, preferia referir-se a ela como Tripanossomíase americana. 

       Embora sua notoriedade tenha advindo dessas descobertas e por suas atuações no estudo e combate à malária, Chagas atuou no campo de outras pesquisas – inclusive na Amazônia –, ocupou cargos de chefia, combateu a “gripe espanhola” de 1918 e atuou no ensino médico. Na expedição à Amazônia, analisou questões sanitárias como moradia, abastecimento de água, rede de esgoto, assistência médica e alimentação. Pesquisou ainda atividades medicinais de plantas, analisou insetos e peixes. Em quatorze de fevereiro de 1917, três dias após a morte de Oswaldo Cruz, foi nomeado Diretor do IOC onde teve fecunda gestão criando vários setores individualizados para a pesquisa.

       Durante a “gripe espanhola” foi convocado pelo Presidente da República, Wenceslau Braz, para assumir as orientações de combate à pandemia. Construiu, então, cinco novos hospitais, inclusive um no próprio terreno do IOC que denominou “Hospital Oswaldo Cruz”. Em 1942, com Chagas e seu filho já falecidos, a comunidade médica resolveu dar à edificação o nome de “Hospital Evandro Chagas”.

       Em 1910, a ANM concedeu-lhe o título de Acadêmico Honorário, pois estavam seus membros ansiosos para homenageá-lo, mas não havia vaga para Acadêmico Titular.

       A Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro criou a Cadeira de Medicina Tropical em 1925 e Chagas foi eleito Professor Catedrático da mesma, cargo que ocupou até sua morte.

      Carlos Justiniano Ribeiro das Chagas publicou inúmeros trabalhos em revistas nacionais e internacionais, recebeu as mais variadas homenagens no Brasil e em outros países, porém jamais recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, embora, analisando-se sem patriotismo, tivesse mais méritos que muitos que já o receberam. Foi indicado ao prêmio por quatro vezes, sendo que em duas oficialmente. Arguem-se manobras externas ou internas como explicações para esta cruel injustiça. E o fulcro para tal comportamento teria sido a inveja predatória, que tanto mal já fez e continua a fazendo à Humanidade. Porém se Chagas não foi agraciado com o Prêmio Nobel, certamente recebeu e receberá, eternamente, o respeito e a admiração de todos os cidadãos do mundo. Vítima de infarto agudo do miocárdio, faleceu dia 08/11/1934, na cidade do Rio de Janeiro, aos 55 anos de idade. Muita vivência e muitas obras para poucos anos de vida!

         E, para terminar, uma curiosidade. 

     Ocupo, como Acadêmico Titular na Academia de Medicina do Estado do Rio de Janeiro, a cadeira nº 11, cujo Patrono é Benjamim Baptista, o Pai da Anatomia Brasileira, e nesta Academia Fluminense de Letras, ocupo a Cadeira nº 3 da Classe de Ciências, patronímica de Carlos Chagas. Ambos nasceram no mês de julho e morreram no mês de novembro, do ano de 1934, na cidade do Rio de Janeiro. Ambos foram professores do meu pai na Faculdade Nacional de Medicina. Sou mineiro de coração e raiz; fluminense (niteroiense) por razão, coração e frutos. Benjamin Baptista era fluminense e niteroiense do Cubango; Carlos Chagas era mineiro, mas morou no Rio de Janeiro a maior parte de sua vida. Coincidências?...

Luiz Augusto de Freiras Pinheiro

Ex-Presidente da Academia de Medicina do Estado do Rio de Janeiro

Membro da Academia Fluminense de Letras

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